Tiradentes, Cidade que massageia os pés quando se anda em suas ruas de pedras, ladeiras que encontramos cineastas, atores, diretores, padres, crianças, cafés, cerveja... sabor com arte, é um pouco do que a Mostra de Cinema de Tiradentes proporciona.
SOBRE A OFICINA
Em uma roda, com todos os corações ansiosos, Penna começou sua apresentação que passou aleatoriamente por todos, dizendo de onde eram, porque estavam ali e o que pretendiam.
O “elo de ligação” da maioria dos relatos, se é que pode ser dito dessa forma, foi o SER TOCADO. Como Penna diz “o ator precisa ser tocado, tem que mexer lá dentro”. Em minhas palavras falei sobre dois momentos em que me senti tocada. Meu primeiro olhar para a arte de atuar, de viver várias vidas em apenas uma, foi assistindo Rodrigo S. quando mais nova, e depois de anos, tive absoluta certeza de que nasci para ser atriz, quando conheci Sergio Penna no Rio em um curso de 2 dias. Fizemos um trabalho intenso, forte e, no final, quando assistiu minha cena, disse-me que era hora de falar sim que eu sou Atriz, que aquilo que via era Cinema, entre outras coisas que além de lágrimas, fez em mim revigorar uma pessoa certa para que veio ao mundo, fui tocada por ele, por esse motivo fui até Tiradentes, a partir de um e-mail para apenas ter o prazer de conversar novamente com ele.
Permanecemos todos ali a conversar, a se conhecer, a conhecer mais um pouco do trabalho do Sergio Penna, e assistindo depoimentos de atores que admiramos seus trabalhos e carreira como Caio Blad, Aline Moraes, Cássia Kiss entre outros atores renomados.
O que mais me intriga e fascina é que trabalhar com o Sergio inicia no simples fato de respirar, é o estar aberto, o vínculo de confiança que se estabelece, o sentir-se seguro, cuidado, acarinhado por ele. Todos nós procuramos encontrar algo em tudo que fazemos e isso cai por terra quando nos deparamos com Sergio, pois não há o que procurar e sim o que viver. Peguei para mim uma frase da Glória Pires que disse em um de seus depoimentos quando trabalhou com ele no filme do Lula, onde definiu o trabalho de preparação com o Penna em “a não busca de alguma coisa” e é perfeita essa frase, pois é como me senti ao estar na oficina. Outra frase que adorei é de autoria do próprio “deixo para os teóricos explicarem o que acho inexplicável”.
O proposto por ele é o trabalho de aquecimento individual, a respiração individual nas suas mais diversas intensidades, as relações com o outro começa a partir de quando encontra-se uma respiração que não pertence mais a um e sim, vira uma sintonia entre dois ou três, e daí parte as junções, os contatos, os toques, as relações e tudo o que se estabelece naquele instante, sentimentos que surgem como a alegria, carência, amor, tesão, incômodo, raiva, tristeza... o que vier! É feito ali uma relação, naquele momento, com aquela pessoa, daquela forma. Tudo deve ser motivado por algo interno, pelos sentimentos que o ser humano, e principalmente o ator possui e que deve aprender a utilizá-los, a trazer quando necessário como o amor, inveja, ódio, vingança, sexo, desejo, indiferença... somos seres “melancólicos” segundo Penna, nutridos desses, entre outras diversas sensações, somos seres ricos no sentir, no ser, e é nessa hora que o proposto é saber trazer e vivenciar.O mais difícil é não “viajar”, colocando nosso olhar distante, ficando parados no espaço imaginário, NÃO... tudo acontece ali, “no lugar real, no tempo real”. Você deve dar-se o momento de permanece em silêncio, de sentir primeiro, para ai sim se relacionar naturalmente com a paisagem externa e interna, pois a partir do momento em que se traz assuntos prontos de fora, assuntos subjetivos como a morte, a vida... enfim, “força-se” uma situação que não é a vivida naquele instante, nós consciente ou inconscientemente procuramos subterfúgios para fugir e nos proteger de momentos que não se sabe o que fazer, como se comportar, o que falar. É somente se deixar ficar vulnerável, permitir que essa vulnerabilidade transpareça em um simples olhar, num olhar que diz muito e que ao mesmo tempo deixa no ar para que, quem estiver assistindo, possa pensar e tentar descobrir o que aquele ser sentado em uma praça pública olhando para o nada no colo de outra pessoa está sentindo, pensando ou passando.
No cinema, não se conta a historinha com todos os seus detalhes, o mistério é lindo, é intrigante, segundo Penna, faz o público se envolver e querer, junto com a personagem, desvendar o que está por de traz de um olhar, um sorriso que custa a sair, ou de uma lágrima, um abraço que não se sabe se irá acontecer.
A atriz Cristiana que nos auxiliou na oficina, disse algumas palavras que me fez pensar, falou sobre o “vácuo”, que nós artistas estamos (ou temos que alcançar), o instante da queda do precipício, ou seja, é o momento que não se pensa em nada.
Quando se entra na sala, cria-se uma mistura de sentimentos, anseios, quereres, medos, incertezas, e como Cris comentou, deve-se conseguir sair disso tudo e entrar no vácuo, desprender-se para estar por inteira no momento proposto de ser vivido, somente isto. É o simples que se torna difícil, ou seja, o difícil é alcançar o simples! Mas ao alcançá-lo, ao se deixar desconstruir, ao acreditar, o resultado diante a câmera é realmente surpreendente, realista, sensível e forte, torna-se natural.
No último dia fizemos cenas na cidade em duplas, trios..., sem assuntos pré-definidos ou com uma simples indicação do Sergio como “vai lá falar com ele”, sem saber o que falar, como dizer.... acontece, quando dois atores estão abertos, pulsando, usando de seus sentimentos internos e concentrados, surge a mágica do cinema.
SOBRE O SERGIO PENNA
Sobre o Sergio Penna, posso dizer que é uma pessoa com um grau de simplicidade, de soltura, abertura, proteção, carinho e generosidade em que não encontra-se facilmente nos dias de hoje. Nos permite tirar nossas proteções e medos, a se entregar por saber que estamos seguros e que o propósito é apenas um, respirar e viver o cinema, sermos artistas que somos, dispostos, abertos e concentrados, fazer o que amamos fazer.
Transcrevo aqui mais das frases ditas por Sergio Penna:
- “Foco e Disciplina”
- “A cena é a hora de continuar o processo, o stress do set não pode interromper.”
- “Cada personagem é um universo em crise”
- “O estar pronto é tudo, é a não improvisação e não ação, e sim a Reação”
- “O ação é antes do - Ação!!”
- “Simplesmente respirar e manter a conexão, até porque a conexão não pressupõe na igualdade. A dramaturgia virá do diferente, sempre ação e respiração”
- “Cotidiano – abraçar no tempo de um abraço normal”
- “Quando ninguém está forçando nada, aí é que me encanta”
- “Deve-se trabalhar o hiper texto, ultra texto, intra texto para poder chegar no texto verbal. O texto verbal é como o nariz do palhaço, a última coisa a ser colocada. O texto verbal tem que ser como uma roupa velha, você nem sente no corpo”
Por Camila de Paula, 08/03/11 às 22:56 hs